sábado, 31 de outubro de 2009

Neve: do céu ao inferno!

Paulo vivia em Paratinga do Norte, sertão do Nordeste brasileiro e sempre dizia: “- Não agüento mais este calor, estes mosquitos, este suor sempre correndo no rosto. Não agüento mais esta selva quente, estas chuvas diárias, este calor, vou atrás de uma vida melhor, vou sair do país.”

Quando começou o verão daquele ano, Paulo tomou a decisão. Vendeu o que tinha, juntou as economias e depois de alguns dias aterrizou no belíssimo Canadá. No hemisfério norte era outono e as folhas coloridas enfeitavam toda a cidade.

“- Isto aqui é lindo! O outono é uma estação maravilhosa, as cores inundam as ruas. Tudo funciona bem. Nunca mais quero saber de mosquitos, de calor, de suor no rosto, quero ficar aqui neste paraíso!” - pensou ao chegar.

Paulo era muito metódico e sempre mantinha um diário atualizado de suas novas experiências nesta terra estrangeira. Eis alguns trechos:

25 de Novembro
O frio começou a chegar. A temperatura chegou por volta dos 5º. O ar gelado é mais fresco e me sinto revigorado. Estou feliz por ter escolhido um lugar tão lindo e saudável para morar.

18 de Dezembro
O inverno nem chegou e já caiu a primeira nevada, foi a coisa mais linda que já vi. Todas as árvores salpicadas de um branco intenso. Infelizmente nevou pouco e a neve logo derreteu. Espero que neve de novo em breve.

25 de Dezembro
Sempre sonhei em passar um Natal com neve. É tudo tão lindo! Todas as casas iluminadas, todas as árvores brancas e aqueles flocos levíssimos caindo como se fosse uma chuva de algodão. Nunca mais vou esquecer este dia!

26 de Dezembro
Um vizinho me informou que tenho que retirar a neve da frente da minha casa. Peguei uma pá e com alegria retirei os 10 centímetros de flocos brancos que se haviam acumulado na minha porta. Depois que terminei, passou o trator limpa-neve pela rua e encheu minha calçada novamente. Não importa, estou feliz! Aproveitei o fraco sol da manhã e fiz um boneco de neve.

04 de Janeiro
O frio não pára de aumentar e a neve não pára de cair. Tudo é lindo, a única coisa que me incomoda é tirar a neve da frente da minha casa todas as manhãs. Tive que comprar roupas mais apropriadas pois as que trouxer do Brasil não me aqueciam. Nossa, como as coisas são caras por aqui!

11 de Janeiro
Acho que o motorista do limpa-neve não gosta de mim. Todo dia depois que limpo a minha calçada ele resolve passar e suja tudo de novo. Já estou ficando cheio disto.

16 de Janeiro
Que frio terrível, a temperatura está abaixo de zero há mais de uma semana. Chegou a conta de luz e do gás e os valores foram o dobro do mês passado por causa dos aquecedores. É impossível viver sem eles. O limpa-neve continua me perturbando. Vou começar a tirar neve mais tarde.

25 de Janeiro
Está porcaria de neve não pára de cair. Não posso tirar meu carro para ir ao trabalho. O metrô e os ônibus não funcionam. Estou morrendo de frio. O limpa-neve agora passa três vezes ao dia, o que me obriga a sair o mesmo número de vezes para limpar minha calçada. Uma senhora escorregou na frente da minha casa e disse que vai me processar.

29 de Janeiro
Droga de frio! Ai que saudades do Brasil, do calor, do suor no rosto. Faz 10 dias que não vejo a luz do sol, o céu está sempre nublado e cinza. Sinto saudades do verde. O limpa-neve parece que fica me esperando limpar a calçada para passar logo depois. Ainda vou pegar este cara. Os gastos aumentaram e cada vez faz mais frio. Os canos congelaram e não tenho água já faz 6 dias. Tenho que derreter neve para lavar louça e tomar banho.

04 de Fevereiro
Que droga de lugar! Tudo está seco e gelado. A neve diminuiu e virou lama. Tudo está molhado e frio. Preciso de um sapato para andar na rua e outro para o escritório. Ai que saudades dos mosquitos, do suor no rosto, das praias quentes. Meus amigos a estas horas estão no litoral e já pensando no Carnaval, e eu aqui morrendo de frio e tédio.

15 de Fevereiro
Já decidi, vou embora deste inferno. Não agüento mais este frio, esta neve, este limpa-neve, este gelo, este cinza, este Canadá. Tenho saudades da selva, do verde, do calor, da areia da praia, de andar descalço, de correr na chuva, do calor do sol, dos mosquitos, da umidade, do Brasil. Eu era feliz e não sabia.

22 de Fevereiro
Vendi tudo, vou embora deste inferno. Canadá nunca mais!

Paulo voltou para o Brasil e nunca mais saiu de sua pacata Paratinga do Norte.

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