quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Novo dilúvio

Um dia, o Senhor chamou Noé da Silva e ordenou-lhe:

- Dentro de 6 meses, farei chover ininterruptamente durante 40 dias e 40 noites, até que todo o Brasil seja coberto pelas águas. Os maus serão destruídos, mas quero salvar os justos e um casal de cada espécie animal. Vai e constrói uma arca de madeira.

No tempo certo, os trovões deram o aviso e os relâmpagos cruzaram o céu.

Noé da Silva chorava, ajoelhado no quintal de sua casa, quando ouviu a voz do Senhor soar, retumbante, entre as nuvens.

- Onde está a arca, Noé?

- Perdoe-me, Senhor! - suplicou o homem - Fiz o que pude, mas encontrei dificuldades imensas: primeiro tentei obter uma licença da prefeitura, mas para isto, além das altas taxas para obter o alvará, pediram-me, ainda uma contribuição para a campanha do prefeito à reeleição. Precisando de dinheiro, fui aos bancos e não consegui empréstimos, mesmo concordando com aquelas taxas de juros (afinal, nem teriam mesmo como me cobrar depois do dilúvio!). O Corpo de Bombeiros exigiu um sistema de prevenção de incêndio, mas consegui contornar a situação, subornando um funcionário. Começaram, então, os problemas com o IBAMA para a extração da madeira. Eu lhes falei que eram ordens suas, mas eles só queriam saber se eu tinha projeto de reflorestamento e um tal de plano de manejo. Neste meio tempo, o IBAMA descobriu também uns casais de animais guardados em meu quintal. Além da pesada multa, o fiscal falou em prisão inafiançável e eu acabei tendo que matar o fiscal, porque, para este crime a lei é mais branda. Quando resolvi começar a obra, na raça, apareceu o CREA e me multou porque eu não tinha um engenheiro naval responsável pela construção da arca. Depois, apareceu o sindicato exigindo que eu contratasse seus marceneiros com garantia de emprego por um ano. Veio, em seguida, a Receita Federal, falando em "sinais exteriores de riqueza" e me multou também. Finalmente, quando a Secretaria de Meio Ambiente pediu o "Relatório de Impacto Ambiental" sobre a zona a ser inundada, mostrei-lhes o mapa do Brasil. Aí quiseram me internar num hospital psiquiátrico (sorte que o INSS estava em greve!).

Noé da Silva terminou o relato chorando mas, notando que o céu clareava, perguntou:

- Senhor, não irás mais destruir o Brasil?

- Não! Pelo que ouvi de ti, Noé, cheguei tarde. Alguém já se encarregou de fazer isso!


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