quarta-feira, 24 de março de 2010

"Dark Side Of The Moon", uma viagem ao infinito

“Dark Side Of The Moon”. Um grande espetáculo nos céus. Cores e luzes que olhos sóbrios não conseguem enxergar. Vozes que a audição ainda não aprendeu a ouvir. O lado escuro da lua, onde, até hoje, só a insanidade conseguiu alcançar. A voz desesperada que ecoa nos céus e que se faz ouvir sempre que o chamado da loucura nos abre os ouvidos. Uma viagem sem volta para um mundo onde moram todas as nossas angústias.

De início, precisamos ressaltar que este disco é considerado por muitos, simplesmente, como o melhor disco de rock progressivo de todos os tempos. Mais do que isso: é o melhor, o mais genial e o mais cerebral trabalho desta lenda chamada Pink Floyd. Suas vendagens astronômicas só vêm a confirmar essa tese.

Não precisamos nem começar a ouvir para termos noção da grandiosidade. Olhe para a capa: uma imagem única, umas das capas mais brilhantes da história. Mas o mais importante é que sintetiza todo o conceito do disco, que é sobre os “males” do homem moderno, a escuridão em que o mundo se encontrava e todos os problemas que afligem a humanidade. Isso em 1973. O incrível é que o disco soa bastante atual até os dias de hoje. Fora que data da época em que os egos não estavam inflados no grupo e todos conviviam em perfeita harmonia. É dentro deste cenário psicótico-surreal que os 4 rapazes ingleses criaram a obra fundamental do rock. E numa projeção bastante otimista, dificilmente, nos próximos 150 anos, aparecerá algo comparável ao que Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason gravaram há exatos 37 anos.

A qualidade da produção (que, mesmo com toda a tecnologia atual é difícil de ser igualada), a beleza dos timbres e arranjos, o lirismo provocador de Roger Waters, a sobreposição de efeitos nas músicas, não são o que mais impressionam na obra-prima do Pink Floyd. O grande diferencial é a unidade perfeita, a relação que os temas tem uns aos outros. É como se fosse uma só canção dividida em 9 partes e que representam um ciclo, que pode ser o ciclo da existência humana (o disco começa e termina com sons de batimentos cardíacos). Quando o disco começa, vão aparecendo os temas que certamente habitam nosso imaginário durante a vida.

Há ainda a misteriosa coincidência de que, ao colocar este disco para rodar logo após o terceiro rugido do leão da Metro-Goldwyn-Mayer no filme “O mágico de Oz”, as letras encaixam-se perfeitamente nas imagens que estão passando na tela. O grupo jura até hoje que tudo foi apenas uma incrível coincidência e não tinham nenhuma intenção de fazer isso. Curiosidades a parte, vamos colocar a obra-prima para rodar.

“Breathe” representa a passagem para o estado de consciência (“olhe em volta e encontre o seu espaço”), um mundo novo que se abre em nossa frente. A letra é uma introdução ao conceito que permeia o disco:

“Respire, inale o ar
Não tenha medo de se preocupar
Vá, mas não me deixe
Dê uma olhada por aí, escolha seu próprio chão
Por muito tempo você viverá e voará alto
E sorrisos você dará e lágrimas você irá chorar
E tudo o que você toca e tudo o que vê
É tudo o que sua vida sempre será”


“On the run” é o melhor exemplo da mente louca e imprevisível de Waters neste álbum. Sons meio eletrônicos, cavalgadas, ecos, uma coleção de sons estranhos... total viagem sonora. O mestre Syd Barrett deve ter ficado orgulhoso.

“Time”, um dos grandes clássicos aqui contidos. Os relógios começam a tocar, vários, ao mesmo tempo, e a introdução da guitarra parece acompanhar o título da música. Dá-se a impressão de uma viagem através de todas as épocas, que só é interrompida pela voz de Waters, que começa mais vigorosa e tem passagens mais calmas e melódicas. David Gilmour dá outro show à parte: solos lindos e estilosos, virtuosismo correndo no sangue, fora a letra, que é uma poesia:

“Cada ano se torna mais curto
Sem nunca parecer encontrar o tempo
Planos que ou não chegam a nada
Ou viram uma meia-página de linhas rabiscadas”

“The great gig in the sky”, uma das poucas músicas de Wright na banda, é sem dúvida, o momento mais intenso. Ele mostra toda a sua técnica e habilidade nma seqüência belíssima de seu teclado, que logo ganha a companhia da bateria cadenciada de Nick Mason e da guitarra de Gilmour. Por cima disso tudo, um vocal bem marcante e delineado, um trabalho de vozes belo e emocionante que fecha com maestria a música, levando o ouvinte a uma atmosfera inimaginável onde a beleza, a loucura, a ternura e o desespero, caminham lado a lado numa viagem única e dilacerante ao lugar mais profundo de nossas almas.

Dinheiro! O bem mais caçado e desejado durante toda a história da humanidade, o responsável por guerras e matanças incalculáveis, a ambição do homem. Querendo ou não, é o que rege nossas vidas. Vivemos em torno dele, acorrentados. Dependemos dele pra tudo, nosso bem e nosso mal. É isso o que Waters quer mostrar com suas composições sempre críticas e reflexivas. “Money” é um perfeito exemplo disso. A caixa registradora no início faz com que a música seja logo reconhecida em todos os cantos do planeta, junto com a linha de baixo mais marcante da história. Cada nota penetra na sua mente sendo impossível esquecê-la. A música é cantada com ar satírico e crítico de Waters, seguida de um sax muito bem colocado (digno dos melhores trabalhos jazzísticos) até desembocar numa explosão de sons: saxofone, guitarra, bateria e baixo se encaixando perfeitamente. Numa atmosfera única, falta até palavras para descrever. Ouça e sinta você mesmo. Acabando com a ácida e relaxada interpretação de Waters e uma irônica conversa final, um clássico eterno do Pink Floyd, do rock e de toda boa música produzida nos últimos séculos.

E logo depois, um dos momentos mais belos do álbum: “Us and them”, uma singela composição sobre solidão, isolamento e as diferenças entre pessoas. Tudo que pode resultar em cegas batalhas. Clima único, vocal magistral, teclados envolventes, guitarra relaxante, sax fenomenal, bateria colocada perfeitamente. Um show de todos os músicos. Dá vontade de ouvir “Us and them” muitas vezes, até gravar cada nota, cada clima, cada som criado. Só nos resta abaixarmos a cabeça e reverenciar os mestres.

E o show prossegue com a instrumental “Any colour you like”, onde a guitarra cria uma verdadeira onda sonora, indo e vindo e te levando junto, criando um clima único, que serve de introdução a “Brain damage”.

Alguns dizem que “Brain damage” deve ser uma homenagem e referência a Syd Barrett, o fundador da banda. Levando-se em conta a letra, parece ser mesmo. Porém, mais do que uma homenagem, é uma linda música. É difícil explicar. Waters sempre perfeito, Gilmour sempre criando o clima ideal e a cada vez que a bateria de Nick Mason entra, seu nível de excitação sobe, risadas sarcásticas dão o tom final. Desfecho melhor, impossível.

“Eclipse” vem para encerrar o trabalho. Aqui é preciso dar uma pausa. Esse momento é fascinante, envolvente, emocionante. É praticamente um orgasmo musical, que fazem os sentidos ficarem perplexos. Quando a música consegue despertar isso nas pessoas, transcende-se a barreira do real, do mundo que existe a nossa volta. Somos levados a outra dimensão, que envolve todos os sentidos, envolve nossas mentes e nos faz experimentar sensações que nunca tínhamos sentido antes.

Passaram-se 10, 20, 30 anos e “Dark Side Of The Moon” continua arrebatando admiradores ao redor do mundo. Esse que é o 3º álbum mais vendido da história, com cerca de 45 milhões de cópias e que ficou 741 semanas consecutivas (ou cerca de 14 anos) no topo da Billboard. É talvez um dos poucos álbuns já produzidos que dificilmente sairá de catálogo. E, de fato, depois de 24 de março de 1973, o mundo da música nunca mais voltaria a ser o mesmo...

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