terça-feira, 19 de junho de 2012

Exagero? Não, realidade!


domingo, 3 de junho de 2012

O jubileu de diamante que era vidro e se quebrou



Apesar da crise financeira que tem levado o governo conservador a cortar gastos essenciais com ambiente, segurança, saúde pública e educação, o Reino Unido ainda pretende celebrar com grande gala as Olimpíadas de 2012, em julho e agosto e nessa semana, o Jubileu de Diamante (ou seja, o 60º aniversário) do reinado da Rainha Elizabeth II, com direito a feriadão do dia 2 ao 5 de junho. Mas o tom da festa está ficando cada vez mais melancólico. 

Atualmente,
Elizabeth II é a monarca constitucional e chefe de Estado do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu. É também a chefe da Comunidade de Nações, governante suprema da Igreja da Inglaterra (também denominada Igreja Anglicana), comandante-chefe das Forças Armadas do Reino Unido, Lorde de Mann e Duquesa de Normandia. É a chefe de estado que possui a maior superfície terrestre sob seu domínio, com cerca de aproximadamente 1/6 das terras do planeta. 

Quando a rainha foi coroada, em 6 de fevereiro de 1952 (e ainda na festa da coroação, em 2 de junho de 1953), o Reino Unido, mesmo empobrecido e endividado pela II Guerra Mundial, ainda podia se ver como a terceira potência mundial. Sua economia ainda era a terceira maior do mundo (e a maior da Europa), a frota naval sobrevivente da guerra ainda era respeitável e em outubro desse ano o país se tornaria o terceiro a detonar uma bomba atômica (perto das ilhas Montebello, na Austrália Ocidental). Londres ainda controlava o Canal de Suez, grande parte da África do Cairo ao Cabo, a maior parte do petróleo do Golfo Pérsico e muito do Caribe e do Sudeste Asiático.

A
 jovem rainha liderava uma entidade que abrangia um quarto da superfície da Terra e um quinto da população. Domínios como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul já eram praticamente independentes (algumas restrições simbólicas permaneceram até os anos 1970) e a Índia optara pela república, mas a Comunidade Britânica ainda era uma realidade pelo menos tão concreta quanto a União Européia de hoje. Suas economias ainda dependiam em grande parte das decisões de transnacionais britânicas e estavam integradas na vasta zona da libra, manipulada pela City londrina. 

Sessenta anos depois, tem-se a impressão de que o país envelheceu ainda mais que a sua soberana. A produção econômica britânica é apenas a sétima do mundo, agora que foi ultrapassada pelo Brasil. As colônias desapareceram quase todas, salvo por alguns enclaves mantidos por pura teimosia, como as Ilhas Malvinas e Gibraltar, e outros conservados para servirem de paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman e as Ilhas Virgens Britânicas, ou para serem usadas como bases navais pelos EUA, como as Ilhas Chagos, no Índico. Política e diplomaticamente, o país é pouco mais que um apêndice dos EUA, colocando o que resta de suas forças militares e de seus serviços de inteligência a serviço das aventuras militares de Washington. Economicamente, é um integrante cada vez mais marginalizado de uma União Européia em crise. 


A indústria da antiga “fábrica do mundo” praticamente desapareceu, varrida pela concorrência alemã, japonesa e chinesa e pela obsessão thatcheriana por neoliberalismo e desregulamentação. E o futuro do setor financeiro que seu governo promoveu e privilegiou e hoje é o mais competitivo do país está ameaçado pela crise européia e pela recusa da Zona do Euro a isentar a City das novas taxas e regulamentos que pretende impor ao setor em toda a União Européia. 


Pouco antes do jubileu, a rainha já sofreu mais uma humilhação: logo após tomar posse em 5 de janeiro, a nova primeira-ministra Portia Simpson-Miller da Jamaica, eleita pelo Partido Nacional Popular, de centro-esquerda, prometeu instaurar a república na mais importante ex-colônia britânica não-branca do Hemisfério Ocidental, que cantava “Deus salve o rei (ou a rainha)” desde 1655. Foi um presente nada agradável para o Dia de Reis. 


E agora o reino de Elizabeth II corre o risco de, em breve, perder até o direito de se chamar Unido e privar seus cidadãos do direito de se chamarem britânicos. Pois o governo regional da Escócia, cuja união com a Inglaterra originou o Reino da Grã-Bretanha em 1707, que passou a ser Reino Unido ao incorporar a Irlanda em 1801, decidiu que convocará um referendo sobre a independência no outono de 2014, logo após a comemoração dos 700 anos da batalha de Bannockburn, na qual os escoceses derrotaram a primeira tentativa de anexação pela Inglaterra. 


A iniciativa do primeiro-ministro escocês Alex Salmond, cujo Partido Nacional Escocês conquistou a maioria absoluta do parlamento regional nas eleições de maio de 2011, enfureceu o primeiro-ministro conservador David Cameron e pôs em xeque a tradição do
fair play britânico (que logo poderá voltar a ser apenas inglês). Cameron alega que o parlamento escocês não tem poderes para submeter esse tema a plebiscito sem a anuência de Londres e quer levar a questão à Corte Suprema. Segundo uma pesquisa de outubro, 49% dos escoceses (e 39% dos britânicos) acham que a Escócia devia ser independente, mas o apoio à separação é maior entre os jovens e pode aumentar com o agravamento da crise econômica, razão pela qual Cameron pressiona para que a consulta seja feita dentro de, no máximo, 18 meses. 

Um consolo para a rainha e seus problemáticos herdeiros é que Alex Salmond pretende manter a rainha como monarca caso conquiste a independência, como ainda fazem o Canadá e a Austrália. Na verdade, diz ele, os escoceses têm uma relação com a monarquia mais amistosa e menos marcada por conflitos de classe que os ingleses e há melhores argumentos para uma república inglesa que para uma escocesa. Vale lembrar que uma pesquisa de 2009 do jornal
The Guardian e da revista The Observer indicou que 54% dos britânicos apoiavam a abolição da monarquia, apesar de só 3% deles julgarem que isso era uma prioridade. Se o agravamento da crise levar os ingleses a decidir cortar mais esse gasto público particularmente inútil, a família real talvez ainda encontre abrigo nos castelos escoceses.